
TV, TECNOLOGIA E ARTE: A REVOLUÇÃO NA PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS
08 mar 2019
Um grande aparato tecnológico apoia a produção das telenovelas, shows e programas da Globo, tornando possível contar histórias por meio de imagens e sons.
O que nem todos sabem é que para poder ser essa grande usina de criação, a Globo é também uma grande empresa de tecnologia — uma das maiores do país, com milhares de engenheiros e técnicos em seu quadro de funcionários. Sob o comando de Rabello, essa equipe maneja um enorme e valioso aparato tecnológico no estado da arte internacional. São câmeras, microfones, computadores, sets de iluminação e todos os variados equipamentos usados na criação de novelas, séries e shows — em resumo, os meios tecnológicos que tornam possível produzir imagens e sons de qualidade. “Hoje, com a evolução dos processos de produção digital, as novelas e minisséries da Globo contam com as mesmas ferramentas e recursos usados pelos principais filmes de Hollywood”, diz Rabello. “Temos o know-how e os equipamentos para produzir com qualidade equivalente.” Uma parceria entre a Globo e a rede pública de televisão do Japão, a NHK, durante o carnaval carioca, ilustra as possibilidades dessa combinação de imaginação e tecnologia. Nos dois últimos carnavais, equipes japonesas vieram ao Rio de Janeiro para testar, no calor de uma cobertura real, câmeras inovadoras desenvolvidas pela NHK, que funcionam no formato de transmissão 8K. São equipamentos de ponta de uma tecnologia ainda em aperfeiçoamento, desenhada para captar e transmitir imagens numa resolução dezesseis vezes maior do que a tevê digital em alta definição (HDTV) que assistimos hoje.
Por que o carnaval brasileiro desempenha um papel nessa história tecnológica? São duas as razões. Uma delas é o visual impactante: multidões dançando, cores variadas e riqueza de detalhes são o objeto ideal para esticar ao limite os recursos de um equipamento que deve reproduzir fielmente imagens em movimento. Dito em termos mais técnicos, a exuberância do carnaval do Rio é tamanha que consegue exaurir a capacidade de uma avançada câmera experimental para processar cores e texturas. A outra razão para a NHK cruzar meio mundo e vir testar equipamentos de ponta por aqui é a presença no Rio de uma emissora como a Globo, dotada dos meios técnicos e humanos para integrar uma parceria internacional desse tipo.
“Aqui é um parque de diversões de tecnologia, uma Disneylândia para engenheiros”, afirma Rabello. O vasto parque tecnológico que ancora a operação da Globo tem valor estimado em 2,3 bilhões de reais e inclui, entre outros ativos, trinta estúdios, seiscentas câmeras, vinte unidades móveis de produção (para transmissões e gravações externas), 220 ilhas de edição (para montar o material bruto captado nas gravações) e uma capacidade de armazenamento digital de 15,9 petabytes, equivalente a 160 mil discos rígidos de cem gigabytes cada um. Além de operar esse aparato, a Globo faz pesquisa e desenvolvimento em conjunto com universidades e centros de tecnologia no Brasil e no exterior, bem como desenvolve projetos próprios de engenharia.
Mais importante ainda do que o hardware é seu time, composto por cerca de 2500 engenheiros e técnicos. Como indica o experimento da tecnologia 8K japonesa no carnaval carioca, a base de conhecimento acumulada por esses profissionais constitui o fundamento que permite à Globo contribuir em primeira mão para os avanços técnicos que resultarão, no futuro próximo, em novos sistemas e equipamentos postos à disposição de emissoras e produtoras de tevê e do consumidor do mundo inteiro (a previsão é de que a transmissão em 8K seja utilizada nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio). “Como liderança tecnológica, queremos estar na ponta do fio da navalha desses desenvolvimentos”, diz Rabello. Sabedores disso, parceiros como a rede japonesa trazem ideias e soluções inovadoras para discutir com seus pares brasileiros. “Muitas tecnologias chegam incipientes aqui, e acabamos fazendo quase uma prototipação do uso delas, de forma a dar o feedback aos fornecedores para que eles continuem desenvolvendo os produtos”, explica Rabello.
O formato 8K, por exemplo, oferecerá uma experiência que vem sendo chamada de televisão imersiva. A novidade, advinda de um ambiente envolto por telas e caixas de som, promete “pôr” o espectador dentro de um estádio (ou do sambódromo), como se ele estivesse posicionado na arquibancada e pudesse “editar” com os próprios olhos as imagens captadas pelas câmeras, com impressionante grau de detalhe. Por enquanto, a Globo segue trabalhando no desenvolvimento do formato em parceria com a NHK — duas câmeras 8K estão sendo usadas também em experimentos na produção de telenovelas.
As gravações de Sete Vidas aconteceram na deslumbrante paisagem de El Calafate, na Patagônia Argentina, cercada por montanhas cobertas de neve e pelas águas cristalinas do Lago Argentino. O trabalho durou quase 30 dias e contou com cerca de 50 pessoas, entre elenco, produção e equipe técnica. Somando figuração e participações de elenco argentino, o set chegou a ter, em alguns dias, cerca de 80 pessoas. Uma tonelada de equipamentos e 34 malas com figurinos foram necessários para a realização das gravações.

Patagônia Argentina – Perito Moreno – Leonardo Medeiros e Debora Bloch
As gravações de Sete Vidas aconteceram na deslumbrante paisagem de El Calafate, na Patagônia Argentina, cercada por montanhas cobertas de neve e pelas águas cristalinas do Lago Argentino. O trabalho durou quase 30 dias e contou com cerca de 50 pessoas, entre elenco, produção e equipe técnica. Somando figuração e participações de elenco argentino, o set chegou a ter, em alguns dias, cerca de 80 pessoas. Uma tonelada de equipamentos e 34 malas com figurinos foram necessários para a realização das gravações.
TÁTICAS TECNOLÓGICAS
Fãs do futebol já conhecem a mesa tática da Globo, usada pela primeira vez na cobertura da Copa do Mundo de 2014. Ela é uma espécie de cenário virtual em tempo real usado para analisar as jogadas de uma partida. A mesa tática foi uma novidade tecnológica desenvolvida pela Engenharia da Globo em parceria com pesquisadores da PUC-RIO, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Para Paulo Rabello, esse é um bom exemplo de inovação original feita em parceria com uma universidade brasileira. “É uma tecnologia de processamento de sinais resultante de pesquisa e desenvolvimento, que tem muita matemática aplicada”, diz ele. “E foi um produto que impactou positivamente no ar.” Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, a mesa tática deverá ser usada não só para o futebol, mas também para o voleibol de quadra e de praia, o basquete e a natação. Além de buscar parcerias com redes internacionais, como a japonesa NHK, a Globo se aproxima de instituições de pesquisa, no Brasil e no exterior, que ofereçam conhecimentos interessantes: um caso é o Media Lab do Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos. A Globo tem um acordo de compartilhamento de informações com o famoso laboratório americano: numa das pesquisas feitas pelo Media Lab, por exemplo, são estudadas tecnologias para estender o tempo de carga das baterias de telefones celulares.
A inovação tem potencial para aumentar a “janela” na qual os conteúdos produzidos em vídeo para a tevê podem ser também assistidos em smartphones — hoje, a bateria descarrega muito depressa quando se abre um vídeo no celular. Para a Globo, é importante conhecer as tecnologias que vão resultar em celulares com baterias mais possantes. “Nós começamos a fazer uma série de outros estudos para tentar criar novos formatos de vídeo que sejam compatíveis com as tecnologias que virão para os celulares, de forma que, quando estejam disponíveis, consigamos lançar produtos com velocidade”, diz Rabello.
FERRAMENTA PARA CONTAR HISTÓRIAS
Toda essa usina de produzir tecnologia — só neste ano, dedicada a tocar mais de quatrocentos projetos e respaldada por investimentos acima de 350 milhões de reais — funciona com um objetivo: criar ferramentas para que criadores e artistas possam contar melhor suas histórias. Afinal, por mais que tudo mude — a começar pelos meios técnicos, sempre em evolução acelerada —, uma verdade permanece na indústria do entretenimento: o conteúdo é rei. E conteúdo, neste caso, significa histórias boas e bem contadas. Para medir a evolução dessas ferramentas, basta pôr lado a lado produções de um mesmo trabalho feitas em épocas distintas. É o caso das duas versões da telenovela Saramandaia, de Dias Gomes – a original, de 1976, e o remake, de 2013. As cenas mais famosas de Saramandaia são o voo do personagem João Gibão (vivido por Juca de Oliveira), que escondia as asas na corcunda, e a “explosão” de dona Redonda (interpretada por Wilza Carla), que não conseguia parar de comer. Há quase quarenta anos, os recursos disponíveis para encenar as fantasias saídas da imaginação de Dias Gomes eram limitados. Por mais avançados que fossem na época, não seriam muito convincentes para um telespectador dos dias de hoje. Paulo Rabello recorda que a produção da Saramandaia original chegou a usar um helicóptero para gravar cenas do ponto de vista do voo do personagem, um recurso inédito na época. Mas detalhes denunciavam a limitação dos artifícios de então e deixavam a cena com um sabor fake, como, por exemplo, a falta do vento batendo nos cabelos de João Gibão durante o voo.
Hoje, graças aos recursos digitais da computação gráfica, houve uma inversão no trabalho de criadores e produtores. Há quarenta anos, os meios disponíveis para representar uma pessoa voando eram mecânicos — pertencentes ao mundo “real”, portanto —, mas os resultados do efeito não pareciam muito realistas; hoje, é possível simular o voo com ferramentas totalmente virtuais, porém o grau de realismo do efeito é muito convincente. Verossimilhança é a palavra de ordem: “Hoje em dia, a maior conquista de uma cena de efeitos visuais é passar despercebida pelo público”, diz Rabello. “É preciso que essas cenas ajudem a contar a história sem interferir na percepção da audiência sobre o realismo das cenas.”
Os recursos digitais disponíveis atualmente na Globo — com a mesma tecnologia utilizada em grandes estúdios de Hollywood e da Europa — permitem mesclar com perfeição cada vez maior tomadas de cenários físicos com outros inteiramente construídos digitalmente, sem que o espectador consiga perceber a fusão entre o real e o virtual. Cidades cenográficas podem ser ampliadas e integradas a lugares reais; objetos e prédios virtuais construídos em três dimensões complementam cenas gravadas; o clima e a atmosfera podem ser manipulados, com o acréscimo de um céu claro (ou tempestuoso) a uma cena; veículos e pessoas nas ruas e mesmo aglomerações, como torcidas e multidões, são criadas em computador. Acidentes e cenas que trariam perigo às equipes de produção podem ser simulados com grande realismo.
Quem “puxa” os avanços? O próprio desenvolvimento da tecnologia ou as demandas artísticas dos criadores? O ideal, segundo Rabello, é que os dois lados tenham a iniciativa, num caminho de mão dupla. “Aqui na Globo estamos o tempo todo fazendo com que a tecnologia desafie a arte e vice-versa”, ele resume. “São dois vetores que precisam caminhar juntos para que tenhamos uma produção extraordinária.” O avanço da tecnologia propiciou à série Dupla Identidade, por exemplo, a chance de ser produzida no formato 4K, que já começa a chegar ao mercado com uma resolução oito vezes melhor do que o HD atual, o que resultou numa qualidade de imagem superior. Na mão inversa, para criar as cenas com fantasmas da telenovela Alto Astral, seus diretores fizeram demandas que exigiram dos engenheiros a adaptação de técnicas sofisticadas de computação gráfica.
PARECE CINEMA
Outra diferença salta aos olhos entre as telenovelas e séries antigas e contemporâneas — à parte o fato de as muito antigas terem sido feitas em preto e branco. Trata se da luz de cena e do que se pode chamar de textura da imagem. Produções mais recentes têm o set de gravação iluminado com luz mais suave, que recorta e dá volume a personagens e objetos. Estes podem aparecer em foco ou fora dele, de acordo com o interesse dramático. As produções antigas, por sua vez, tinham uma iluminação mais “chapada” e não se usava o foco seletivo.
Em outras palavras, a imagem da tevê está cada vez mais parecida com a do cinema, uma evolução impulsionada por mudanças na tecnologia. Trata-se do que os engenheiros chamam de convergência da produção de tevê com a cinematografia digital . O acervo tecnológico da Globo inclui, por exemplo, mais de quarenta câmeras com sensores 4K e lentes 35 mm — o padrão do cinema. As estações de finalização (na pós-produção) também são as mesmas empregadas na produção de filmes.
Todo esse aparato foi mobilizado para produzir a série Dupla Identidade. “Exibimos os dois primeiros episódios em salas de cinema, e o resultado foi excepcional”, diz Rabello. Uma evolução semelhante ocorre com a captação, tratamento e reprodução dos sons. No lugar do único microfone em cena das produções de antigamente, microfones individuais, integrados às roupas de cada personagem, captam hoje os diálogos, que são depois trabalhados individualmente e combinados de forma digital com os efeitos sonoros e as trilhas musicais.
Uma coisa não mudou, entretanto: a televisão continua a trabalhar em ritmo muito mais acelerado do que o cinema. “Um filme demora de um ano e meio a dois em produção; nós usamos os mesmos recursos no dia a dia de nossas novelas”, compara Rabello. O desafio da Globo foi acertar e afinar os processos de produção para utilizar a tecnologia do cinema sem perder a velocidade de que precisa para levar ao ar sua programação. “Hoje, todos os nossos produtos de dramaturgia seguem um formato similar ao de captação do cinema digital”, diz ele. “Isso traz um ganho muito grande para nós.”
Qual é esse ganho? Rabello nota que nem todas as grandes redes globais de tevê escolheram o mesmo caminho: algumas seguem produzindo em padrões menos rigorosos de qualidade técnica. “Nós optamos por seguir nesse mundo de cinema digital porque entendemos que a qualidade é um diferencial bastante grande”, explica. Ao produzir um master — como é chamada a versão original de qualquer programa — no padrão mais alto do mercado, assegura-se a qualidade do produto toda vez que ele venha a ser exibido em padrões menos exigentes, por meio de qualquer dos canais de distribuição que existem hoje ou que venham a ser criados. “A posteridade também fica bem preservada”, arremata Rabello.
NÚMEROS HOLLYWOODIANOS
A tecnologia envolvida na produção dos programas de uma rede de tevê como a Globo não se esgota no hardware de câmeras e equipamentos eletrônicos de ponta nem no avançado software de computação gráfica utilizado para criar efeitos especiais. A máquina de produzir histórias dever ser mantida girando, e para isso é preciso gerir dezenas de produções simultâneas, organizar a atividade das milhares de pessoas envolvidas e movimentar outros milhares de itens de cenários e figurinos — tudo a tempo, dentro de cronogramas rígidos e prazos apertadíssimos. Para realizar essa tarefa, a Globo desenvolveu um complexo workflow de produção capaz de dar conta com eficiência de um volume de trabalho cuja magnitude pode ser ilustrada pelos números envolvidos:
12.000 PESSOAS circulam todo dia pelo Projac, a central de produção de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1995.
10 ESTÚDIOS ocupam 8.240 m² para produzir telenovelas, shows e programas infantis.
A fábrica de roupas do complexo faz 1.200 peças de figurinos por mês (e trabalha com uma tabela de medidas de todos os atores da Globo).
70 MIL peças compõem o acervo de contrarregra (objetos de cena); 35 MIL são movimentadas mensalmente.
Parecem números hollywoodianos? Pois são, como mostram os números de uma novela da Globo postos lado a lado com os dados de produção de uma popular série de televisão americana — Revenge, dos estúdios Walt Disney/ABC:
Revenge: mais de 250 profissionais envolvidos na produção de 23 episódios por temporada, com 60 minutos cada um.
Novela Globo: mais de 500 profissionais envolvidos por mais de 12 meses na produção de capítulos diários exibidos ao longo de 8 meses.